Hoje abro uma exceção: não falarei de futebol. Isso porque vi e vivi algo que jamais achei que viveria para ver. Daqui a alguns anos, se meu filho perguntar, terei de responder: "Tudo começou com um protesto contra o aumento da passagem de ônibus." Vai parecer bobo e infantil explicar que milhares de pessoas foram às ruas motivadas inicialmente por 'apenas' isso. É tão simplório quanto tentar compreender a Revolução Farroupilha como uma simples insatisfação com as tarifas do charque - como os livros de história supõem. Pois para mim a manifestação (que vem sendo chamada pelo mundo afora como 'Outono Brasileiro') começou a se apresentar exatamente como a Guerra dos Farrapos, que nascia na ponte da Azenha, na atual Avenida João Pessoa, em Porto Alegre.
Acionado como repórter, sai às ruas. E a primeira imagem que vi foi três 'guris pilchados' portando bandeira do Rio Grande do Sul e tudo mais. Eles não estavam ali pelo preço do charque ou do ônibus. Não sei bem quais eram seus motivos, mas reivindicar uma porção de mazelas que há muito vêm engasgando pela garganta - tal qual aqueles gaudérios farroupilhas de 1835. Ao levantar a favor do transporte público, o cidadão se lembra que também são defasados os serviços na educação, saúde, política, etc. E, mesmo assim, algum 'iluminado' teve a audácia de chamar o resto do mundo para um banquete para lá de chique em nosso terreno. As bombas que explodem contra os civis, as balas de borracha lançadas talvez nem quisessem sair nesta noite. Mas saem por ordem maior. Todos estamos assustados. Os de lá e os de cá. Quanto mais se ataca, mais se contra-ataca (de maneira até insana). O patrimônio que era público, vira privado. E o privado é defendido como público.
O que não é público e notório é porque bancas de jornal são pichadas. Por que lojas de trabalhadores têm as vitrines quebradas? A explicação vem das cacetadas que se recebe da polícia. Mas e o gás lacrimogênio que vem no meio da rua, por quê? Dizem que é pelas pelas pedras arremessadas. Então, quem começou? Ninguém quer assumir. Faz como de costume no Brasil: empurra a culpa adiante, até parar lá do outro lado. Volto para a casa acuado, com medo de protestantes e PMs. Dos primeiros, escondo o crachá. Para os segundos, mostro a toda hora. A garganta seca pelo gás. Eis que no chão um morador de rua me pergunta: "Por que eles estão fazendo isso?". Lembro que eu devia responder isso ao meu filho, mas faço a cortesia: "É pelo preço da passagem." Ele retruca: "Ela subiu?". Eu sorrio. Para aquele ali, nem o ônibus para. Mas ele segue deitado. Será que é um acomodado/alienado ou um bom cidadão aos olhos da polícia? Farrapo ou caramuru? Nesta hora, ele tem de tomar uma decisão, e eu penso que melhor seria permanecer ali, deitado.
2 comentários:
Pode não saber qual os motivos estarmos na rua, mas com certeza compreendeu o motivo de estarmos pilchados até os dente! foi na essência, baita texto...
Pode não saber o motivo de estarmos na rua, mas com certeza compreendeu o recado das nossas pilchas! Foi na essência, baita texto..
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